Milhares de crianças são submetidas todos os anos a cirurgias para retirada das amígdalas sem que haja necessidade. Um estudo realizado na Inglaterra descobriu que 7 de cada 8 operações do tipo realizadas em crianças do país dificilmente trariam alguma vantagem.
As amígdalas, localizadas próximo a base da língua, desempenham um papel importante no sistema imunológico, ajudando a proteger o organismo contra vírus e bactérias que entram pela boca ou pelo nariz. Mas são um daqueles órgãos que não são considerados indispensáveis para a sobrevivência.
Segundo o estudo, o procedimento cirúrgico pode estar causando mais danos do que benefícios às crianças. Sem contar o gasto que representa para o sistema público de saúde inglês, o NHS - que já informou que planeja reduzir o número de operações de retirada de amígdala e outros tratamentos "ineficientes", nos quais os prejuízos sejam maiores do que os ganhos.
Critérios para retirada das amígdalas
De acordo com os pesquisadores, a remoção das amígdalas é indicada apenas quando atende a um dos critérios abaixo:
– Mais de sete episódios de dor ou inflamação da garganta por ano;
– Mais de cinco episódios de dor ou inflamação da garganta por ano, durante dois anos consecutivos;
– Três episódios de dor ou inchaço da garganta ao ano durante três anos seguidos.
O estudo da Inglaterra, publicado no The British Journal of General Practice, analisou os registros de mais de 1,6 milhão de crianças inglesas entre 2005 e 2016. De cada mil crianças do país, duas ou três foram submetidas à cirurgia para retirada de amígdala.
Porém, 88% (cerca de 7 em cada 8) não preenchiam os critérios acima. Apenas 12% das cirurgias realizadas no período foram clinicamente justificadas.
No grupo de crianças que foi submetida à cirurgia sem preencher os critérios, 10% havia tido apenas um único episódio de dor de garganta ou inflamação.
Com base nesses dados, o estudo estimou que 32,5 mil das 37 mil amigdalectomias infantis realizadas no Reino Unido entre 2016 e 2017 foram desnecessárias, custando £ 36,9 milhões (o equivalente a quase R$ 180 milhões) ao sistema público de saúde.
Tom Marshall, professor do Instituto de Pesquisa em Saúde Aplicada da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e um dos autores do estudo, afirma que a cirurgia pode ser justificada no caso de pacientes mais seriamente afetados.
"A pesquisa sugere que crianças com menos dores ou inflamações na garganta não vão se beneficiar o suficiente para justificar a cirurgia, porque, de qualquer forma, a dor de garganta tende a desaparecer", diz.
Retirada de amígdalas pode gerar complicações
Os especialistas também ressaltam que, como em todas as cirurgias, as amigdalectomias podem levar a complicações que, embora raras, podem ser graves.
"Quando esta operação é realizada no grupo certo de crianças, pode reduzir significativamente as infecções da garganta, melhorar a qualidade do sono, diminuir o número de consultas médicas, o uso de antibióticos e, mais importante, melhorar a qualidade de vida da criança e da família", afirmam especialistas da Escola de Medicina McGovern da Universidade do Texas, nos EUA.
"De fato, até 4% das crianças operadas podem ter que ser internadas novamente devido a complicações secundárias, o que significa que a tomada de decisão adequada para realizar essa cirurgia é de suma importância", acrescentam.
Além disso, alguns estudos sugerem que a retirada das amígdalas na infância pode ter conquências no longo prazo, como aumento do risco de ataque cardíaco precoce e de doenças respiratórias, como asma, pneumonia e gripe na vida adulta.
Epidemia de retirada de amígdalas
O problema não é exclusivo do Reino Unido. Uma pesquisa publicada em 2014 pelo The Cochrane Review comparou estudos conduzidos em diversos lugares do mundo sobre a eficácia da cirurgia de remoção de amígdala, e constatou que um grande número de operações são feitas sem justificativa clínica suficiente.
O levantamento não cita o Brasil. Aqui, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou 33,8 mil cirurgias para retirada de amígdalas em 2017, sendo 31,1 mil em crianças (mais de 90%).
Os Estados Unidos são o país com as taxas mais altas do procedimento. A cada ano, são realizadas mais de 500 mil amigdalectomias infantis - trata-se da terceira operação mais comum em crianças no país. As taxas são tão altas que o procedimento foi descrito como "uma epidemia".
"É uma epidemia silenciosa de cuidados médicos desnecessários. Na maioria dos casos, (a retirada de amígdalas) é realizada em pacientes com sintomas muito menos recorrentes do que o necessário para indicar o procedimento", disse em 2012 o especialista David Goodman, do Darthouth Atlas, banco de dados sobre cuidados de saúde do Instituto Darmouth para Política de Saúde e Prática Clínic, dos Estados Unidos.
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