Quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Mulheres em tratamento contra o câncer denunciam assédio nas redes sociais

25/08/2025 às 08h20 Redação

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Mulheres denunciaram assédio nas redes sociais / Foto: Reprodução/Instagram

A social media Clarissa Benatti, de 38 anos, marcou o fim de sua fase sem cabelos neste mês de agosto após encerrar o tratamento com quimioterapia para tratar um câncer na mama. Emocionada, ela compartilhou nas redes sociais o momento em que raspava a cabeça pela última vez. Mas a publicação, que deveria simbolizar uma conquista pessoal, acabou atraindo um tipo de atenção inesperada.

“Era uma pessoa que sempre reagia aos meus stories, mas nunca puxava conversa. Não tinha foto de rosto, só uma letra ‘B’”, conta Clarissa em entrevista a Marie Claire. Movida pela curiosidade, ela acessou o perfil e percebeu que a página reunia fotos de diversas mulheres carecas. “Deixei passar, até que, depois de postar o último vídeo raspando meu cabelo, ele mandou mensagem oferecendo dinheiro.”

Segundo Clarissa, a proposta envolvia gravar novos vídeos raspando os fios no futuro, mesmo com o fim da quimioterapia. Em troca, ele ofereceu valores que poderiam variar de R$3 mil a R$15 mil, dependendo do “tamanho do cabelo”.

“Achei estranho. Na hora percebi que tinha alguma malícia, mas continuei perguntando para entender o limite daquilo”, relata. Ao questionar se era conteúdo +18, recebeu a resposta: “Teria algum problema para você?”. O usuário ainda afirmou para Clarissa que o conteúdo seria compartilhado em grupos do Telegram.

Diante da investida, a social media continuou a alimentar a conversa para “ver até onde iria”. “Ele chegou a me mostrar um vídeo de uma mulher numa barbearia, e só no final dava para notar o tom fetichista, com câmera lenta e água escorrendo pela cabeça dela”, conta.

Ao investigar os comentários deste e outros perfis semelhantes, Clarissa encontrou um padrão: “Poucas fotos tinham comentários, mas as que tinham eram coisas como [emoji de] foguinho, ‘muito sexy’, muita coisa em inglês. A maioria dos perfis também era anônimo e quando tinha foto era de homem”.

“Me senti intimidada”

A experiência acendeu um alerta para Clarissa, especialmente porque muitas mulheres que passam pelo câncer ainda enfrentam o estigma de esconder a careca com lenços ou laces. “Já existe essa vergonha, esse medo do olhar alheio. E com esse tipo de abordagem, piora”, observou.

Ela publicou um vídeo expondo a situação em seu perfil, pedindo para que esse usuário fosse denunciado. “Fiquei muito em choque e com medo, sem saber se divulgava ou não, porque não sabia se ia trazer mais malefício ou benefício para outras mulheres. Já existe esse receio em quem está em tratamento”, lamenta.

“Me senti intimidada. Às vezes quero postar uma foto e fico mais receosa. Meu tratamento já acabou, agora meu cabelo está crescendo. Mas se eu ainda estivesse no processo, talvez não tivesse coragem de raspar. Porque eu me amei careca, só saía assim, me achava bonita. Saber disso me deu um receio”, desabafa.

A social media descobriu que não estava sozinha. Nos comentários de seu vídeo, outras mulheres relataram terem recebido propostas semelhantes. “Uma delas disse que já sabia disso, porque há homens que sentem desejo por mulheres oncológicas justamente pela vulnerabilidade delas. É muito cruel.”

“Usou foto minha e eu nem sabia”

Foi através desse desabafo que uma seguidora de Clarissa, Mariele Pereira, de 28 anos, descobriu que o mesmo perfil denunciado pela social media compartilhou uma foto dela sem sua autorização. “Ela mostrou um print meio embaçado e eu vi o esboço da minha foto. Nem sabia que ele tinha postado, porque eu não o seguia. Fiquei apavorada. Entrei no perfil e vi duas fotos minhas, sem eu ter autorizado”, relata.

A vendedora também está careca por causa do tratamento contra o câncer e começou a fazer conteúdo para as redes sociais em fevereiro. Desde que passou a se expor mais, recebeu mensagens do perfil. “Essa conta entrou em contato comigo pelo Instagram do nada. Eu estava postando minhas fotos e vi que começou um perfil diferente a me seguir”, relembra.

“Era um que compartilhava só mulheres em tratamento de câncer, carequinhas. Eu achei super legal, achei que fosse algo para enaltecer as mulheres [que são pacientes oncológicas], sabe? Não parecia suspeito para mim.”

Mariele conta que recebia reações dele praticamente em todas as postagens, até que começou a insistência para que ela autorizasse o uso de suas imagens. “Ele sempre pedia, mas eu nunca tinha deixado. No entanto, não pensei em momento algum nessa parte sexual, porque estou em um tratamento tão chato e complicado que nem me passou isso pela cabeça”.

A conta não existe mais: foi derrubada depois das denúncias, mas o impacto ficou. “Eu fiquei assustada, perplexa, enojada. Porque é um assunto muito delicado e estavam usando a nossa imagem. Corri no Instagram, fui questionar por que ele estava fazendo isso. Mas aí o perfil caiu e não consegui mais conversar. Fiquei bem envergonhada com a situação”, declara.

Especialista alerta para uso indevido de imagem

O uso não autorizado de imagens em redes sociais, especialmente quando envolve manipulação e conotação sexual, pode configurar “ilícito civil e possivelmente criminal”, segundo a especialista em Direito Digital, Proteção de Dados e Privacidade, Roberta Rodrigues Correia Pimentel.

Ela ainda enfatiza que copiar e sexualizar a foto de outra pessoa sem consentimento, sobretudo quando se trata de mulheres em situação de vulnerabilidade, “configura violação de imagem, honra e dignidade”. Esse tipo de conduta pode gerar obrigação de reparar danos morais e, em alguns casos, materiais, explica Roberta.

A especialista destaca três pontos essenciais para compreender a dimensão jurídica do tema. Primeiro, publicar fotos em redes sociais não é ceder seus próprios direitos: “O Direito de imagem do titular é resguardado, tendo em vista que publicar em perfil próprio não significa abrir mão do direito de controlar usos da sua imagem”, afirma. Segundo, é preciso adotar condutas preventivas e agir rapidamente diante de abusos. E terceiro, a responsabilização recai tanto sobre o autor da publicação indevida quanto, em certas situações, sobre a própria plataforma que mantém o conteúdo mesmo após notificação.

Como garantir a privacidade?

A especialista lembra que a Constituição Federal garante “a proteção à intimidade, vida privada, honra, imagem e dados pessoais”, enquanto o Código Civil “veda uso não autorizado especialmente quando atinja a honra/boa-fama” da pessoa retratada. Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) assegura o direito à privacidade dos dados pessoais, incluindo imagens.

No caso de fotos relacionadas à saúde, Roberta ressalta que se trata de dado sensível, que exige cuidados ainda maiores. “Se o uso abusivo for feito por perfis com finalidade não pessoal (por exemplo, monetização), há frente adicional com base na LGPD”, pontua.

Quando ocorre um episódio desse tipo, a vítima pode tentar resolver diretamente com o responsável pela postagem. Caso não haja retorno, é possível acionar a plataforma responsável pelo conteúdo.

“Para crimes contra a honra, em regra, exige-se ordem judicial para responsabilização final, mas as plataformas podem e devem remover por notificação quando houver base nas próprias políticas internas e evidência do abuso. A inação pode gerar responsabilidade civil da própria plataforma”, avalia Roberta.

Os meios de proteção

A especialista em Direito Digital dá dicas de como publicar com mais segurança:

Conhecer as configurações de privacidade e entender termos da plataforma (licenças de uso dentro da própria rede); avaliar o risco de republicação indevida por terceiros;

Use contas privadas ou listas restritas para posts pessoais; limite “permitir compartilhamento” quando disponível; desative download onde houver opção (stories, por exemplo);

Inclua no texto aviso de uso restrito (“É proibido reproduzir/usar esta imagem sem autorização da autora”), que reforça a expectativa de privacidade e ajuda em disputas;

Realize monitoramento: faça buscas periódicas reversas por imagem; salve URLs e capturas de perfis suspeitos;

Conheça e acione as regras contra assédio/discurso de ódio e exploração (política da plataforma) — costumam prever remoção rápida e punição de contas reincidentes.

Em caso de já ter ocorrido algum tipo de abuso, Roberta também explica como proceder:

Colete provas já: salve URLs, timestamp, prints (com a barra de endereço visível) e, se possível, gere uma ata notarial;

Notifique a plataforma nos canais de denúncia (abuso/assédio/uso indevido de imagem). Com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), espere respostas mais céleres; a inércia pode gerar responsabilidade da plataforma;

Denúncia especializada: a SaferNet recebe e encaminha denúncias e orienta vítimas; o Disque 100 também é um canal oficial.

Para ela, o caminho mais harmônico é a dupla proteção: publicar com prudência e reagir rápido ao abuso. “Isso significa que ao publicar deve-se utilizar das configurações das plataformas para tornar a publicação mais segura, a fim de resguardar a privacidade”.

“Entretanto, caso haja abuso por terceiros, deve-se agir de forma célere, notificando (incluindo extrajudicialmente) a plataforma para remoção do conteúdo. E, ainda, denunciando o perfil abusivo, com vistas ao bloqueio da conta violadora”, finaliza.

Fonte: revistamarieclaire

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