Após o adiamento do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), já começaram os debates no país sobre o que acontecerá com o calendário letivo. Corte de 25% da carga horária de 2020, reinício em agosto e aproveitamento de horas não presenciais são algumas das opções colocadas na mesa. O dilema entre especialistas é conseguir reduzir ao máximo as desigualdades potencializadas pelo ensino remoto emergencial, que não abrange todos os estudantes brasileiros.
— O alcance do ensino remoto é limitado e a efetividade é ainda mais restrita. É impossível, por exemplo, alfabetizar — afirma João Marcelo Borges, diretor de Estratégia Política do Todos Pela Educação. — Ele foi elaborado às pressas em uma situação de enorme estresse mental, sanitário, social e econômico. Se o Brasil passasse dois anos se preparando para iniciar aulas remotas em 2023, haveria soluções testadas, professores capacitados e materiais produzidos, condições que não existem atualmente.
O especialista defende que o país reinicie do zero o ano letivo por volta de agosto, quando a curva de contágio do novo coronavírus pode estar controlada. A ideia é que as atividades do ensino remoto tenham servido — para quem teve acesso — como material de apoio e que, depois disso, todos voltem ao mesmo tempo.
— Esse ano letivo iria mais ou menos de agosto a março, e o Enem aconteceria pouco antes do ano letivo acabar, o que já acontece no modelo atual — explica.
A Câmara dos Deputados realizou, na última semana, uma audiência para debater o retorno do calendário. Nela, o secretário estadual de Educação de Pernambuco, Fred Amâncio, que é vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação, defendeu uma redução de até 25% da carga horária mínima exigida, que é de 800 horas. Na avaliação do gestor, é preciso, no entanto, garantir a aprendizagem dos conteúdos transferindo uma parte deles para 2021.
— No cenário mais otimista, serão quatro meses sem aulas e depois ainda passaremos por um período de adaptação, possivelmente com salas reduzidas e rodízios de turmas — disse ele ao GLOBO. — As possibilidades de reposição têm limitações. Não tem como obrigar o professor a dar aula o dia todo, no sábado e no domingo. Tem que saber priorizar as principais aprendizagens e pensar em um planejamento que envolva o ano letivo do ano que vem.
O encontro da Câmara foi promovido pela deputada Luísa Canziani (PTB-PR). Ela é responsável pelas discussões da medida provisória que suspendeu a obrigatoriedade de 200 dias letivos. A norma do Ministério da Educação, no entanto, mantém as 800 horas letivas.
No fim de abril, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou um parecer orientando a volta às aulas. O texto esclarece que a decisão fica a cargo dos sistemas de ensino e que ele não precisa corresponder ao calendário civil — ou seja, pode, sem problemas, terminar em 2021.
Os sistemas de ensino são formados por um órgão normativo, um executivo e a rede. O federal é formado pelo Conselho Nacional de Educação, o Ministério da Educação e as redes pública e privada de ensino superior. Há ainda os sistemas estaduais, formado pelos conselhos estaduais, pelas secretarias e as redes pública e privada de ensino médio. Os municipais cuidam da educação fundamental e infantil.
O parecer do CNE ainda aponta alternativas já previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB). Entre eles, estão reposição presencial das aulas ao fim da pandemia; realização de atividades pedagógicas não presenciais enquanto persistirem restrições sanitárias; e a ampliação da carga horária diária com a realização de atividades pedagógicas não presenciais após a volta dos estudantes às escolas.
Integração excepcional
O texto ainda sugere que, em caráter excepcional, é possível planejar o ano letivo de 2020 integrado com o de 2021. “Pode-se reordenar a programação curricular, aumentando, por exemplo, os dias letivos e a carga horária do ano letivo de 2021, para cumprir, de modo contínuo, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento previstos no ano letivo anterior. Seria uma espécie de ciclo emergencial”, diz o parecer.
— É mais fácil a gente recuperar só os que não tiveram acesso ao ensino remoto do que apagar o primeiro semestre de 2020. Suponho que as redes não poderão voltar com todos os alunos de uma vez. Ela podem, então, voltar primeiro com esses estudantes que não tiveram acesso — aponta.
Já o doutor em Educação Gregório Grisa avalia que a imprevisibilidade da duração da suspensão das atividades presenciais dificulta o planejamento da retomada. Segundo ele, o ensino remoto precisará ser contabilizado na contagem de aulas dadas em 2020.
— Podemos pensar em continuar de onde paramos a partir de julho ou agosto, conforme os protocolos vão amadurecendo. A flexibilidade para contar as atividades remotas é fundamental.Ainda de acordo com Grisa, propor uma solução homogênea é impossível, já que há realidades muito diversas no Brasil.<EP,1>— O calendário escolar, o registro, são meios para alcançar um fim, que é a aprendizagem. Forçar o cumprimento de horas, de forma improvisada para atender a burocracia é uma ação na qual nos enganamos todos. O desafio é ler o momento atípico e buscar alternativas — avalia.
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