Terça-feira, 23 de abril de 2024

A mulher do pastor

02/05/2021 às 10h43 Redação

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Pode acreditar. / Foto: Reprodução

Domingo a noite naquele bairro se ouvia  três coisas: barulho de moto passando, batuque de pagode e o som vindo dos tabernáculos. A fusão disso tudo produzia um ambiente único; uma confusão entre o sagrado e o profano. Mas tinha algo atravessando aquela harmonia improvável; a mulher do pastor.

Domingo era dia do culto. O pastor chegava cedo pra arrumar as cadeiras de plástico no salão, que no fundo era uma loja com cinco metros de frente por quinze de extensão, depois de tudo arrumado, com ajuda das irmãs, ele partia para equalizar o som. Ligava a aparelhagem nova e começava falar alô, alô, alô som até se dar por satisfeito. Tudo pronto, ia para o banheiro da “loja” vestir seu termo cinza de todos os domingos.

Em frente ao seu Ministério de Fé ficava o bar do Biriba, um budega com as almas perdidas. Dali não se esperava nada, a não ser reclamação pelo som alto que partia de dentro do estabelecimento religioso. Ambrósio colocava o som no talo. Se bem que do bar vinha baforadas acompanhadas de um bafo do capiroto regada por música de corno.  O clima azedava de vez quando Biriba ligava o karaokê.

Quem passava em frente tapava os ouvidos tamanha era a confusão sonora que se formava. Nem os vira-latas do bairro, que perambulam atrás de sobras de comida, paravam em frente aquela balbúrdia que se formava.

Mas havia algo que era capaz de permitir que as duas casas conseguissem certa harmonia, era a mulher do pastor. Ela era quase uma miss mundo naquele subúrbio onde o vento fazia a curva. Bela como a luz da lua cheia.

Percebendo o poder da Varoa, Pastor Ambrósio, um homem de Deus que carecia do dízimo para manter as coisas funcionando,  colocava Maria das Graças bem na porta do tabernáculo quando começava a pregar. Maria era um espetáculo de mulher.  Com a Bíblia grudada ao peito, sacolejava de um lado pro outro, na porta de entrada, cantando os hinos entoados pelas poucas beatas, enquanto, do outro lado da rua, ia se formando uma plateia entre bêbados e ateus, que prestavam atenção naquela mulher linda e curvas tão singulares, com seios   fartos e cabelos negros sobre os ombros. Ela era um assombro.

De início pastor Ambrósio não ligava uma coisa a outra, Maria estava ali pra dar as boas-vindas a quem chegasse, mas como o tabernáculo juntava mais gente fora do que dentro, passou a desconfiar do real motivo.

Homem cioso e conhecedor profundo atributos de Maria, Ambrósio resolveu juntar o útil ao agradável. Pensou rápido e bolou uma estratégia. Tudo em nome da causa. Sabia que a cada domingo a plateia aumentava e a fama de Maria corria as cercanias. Era um tal de você já viu a mulher do pastor? Foi então que pediu a mulher pra passar a vir de vestido comprido até os pés, o que não impedia de observar sua beleza e combinou que a partir do próximo domingo ela ficaria somente nos minutos iniciais na frente do tabernáculo.

Assim que a plateia se formasse deveria vir para o altar, atraindo todos para o interior da mesma,  para dali só sair no final do culto ao seu lado. Naquela altura muitos dos frequentadores do bar já estavam se sentando nos bancos do pequeno templo, mas insistiam em ficar olhando no sentido contrário ao ao altar.

Ao trazer Maria pra frente dos novos cristãos, não totalmente convertidos, todos eram obrigados a olhar numa única direção e, ao menos fingir, que ouviam Ambrósio. A tática encheu o espaço e esvaziou o bar do Biriba, que passou a vender salgado com guaraná e “podrão” – um sanduíche feito na chapa, com carne, ovo e pão – ao fim das atividades de domingo.

Ambrósio acabou ficando com a faturamento do bar na forma de dízimo. Mas Biriba passou a ter fregueses.  Todos ali queriam se livrar do pecado da cobiça, menos Ambrósio, que dizia fazer tudo como enviado de Deus. A igreja prosperou com tanto fogo no chão. As obreiras arrumaram varões, entre aqueles homens, e os homens desafogaram suas angústias de outra forma.

Não a toa muitas irmãs do bairro apareceram, no templo, atrás dos conselhos de Maria. Queriam saber como manter seus casamentos. Já os homens não iam mais para o balcão afogar suas mágoas. Pastor Ambrósio via sua obra prosperar com tanto braço forte a disposição. O espaço se tornará pequeno e Ambrósio, com a ajuda dos fiéis, já estava juntando recursos para construir seu novo é maior templo.

Maria era a centelha de tão súbita fé daquela gente carente. Uma personificação de tudo que gostariam de ser e ter. Um clássico de domingo a noite, com casa cheia, na véspera de segunda-feira, onde tudo se repete até o próximo culto chegar. Deus tem vários caminhos para chegar até ele. Pode acreditar.

 

Alfredo Soares

Jornalista

 

 

 

 

 

Fonte: Alfredo Soares

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