A quarta-feira estava quente como quê. Nem parecia que o expediente na obra tinha ficado pra trás. O sol torrava o morro de frente. Nos casebres a roupa no varal servia como guarda-sol, protegendo quem estava dentro de casa. Das janelas abertas se ouvia os mais variados tipos de música. O povo do lugar gosta de barulho e ostentação. Uma disputa ensandecida de ritmos. Subi a ladeira na disposição pra tomar um banho gelado, daqueles bem demorados.
A ladeira apontava pro céu. Pelo caminho as vielas apertadas exalavam um cheiro de comida boa. Meu olfato me dizia: feijão com linguiça, carne assada, bolo de fubá, café forte... minha intenção era tomar umas cervejas com os amigos no boteco do Madruga. Mas chegar em casa era preciso. A tarde ardia em 40 graus. Dei boa tarde a todos que encontrei pelo caminho. Tinha o cara do bicho, o da boca, o padeiro, o fofoqueiro, as mulheres que desciam pra igreja. Passar batido, sem cumprimentar dava margem a especulações das mais variadas. Bastava passar sem falar pra acharem que você havia sido demitido, tinha levado um pé na bunda da mulher e por aí vai. Enfim cheguei. A Nega já tinha saído para o supletivo. Sonhava com o serviço público. Antes de ir deixava o café fresco na garrafa e o pão com manteiga na mesa, forrada por uma toalha branca com flores bordadas. Era impossível não comer depois do banho, mesmo querendo correr pra encontrar Zequinha, Breu e Olegário.
Com eles a cerveja descia refrescando e prolongava a resenha. Mas nesse dia resolvi dar uma olhada pela janela e vi que Leleo, meu parceiro dono do salão da quebrada, resolvera inovar. Ele levou seu salão pra cima da laje e lá estava a aparar o black da moçada. Dei uma olhada no retrovisor que tinha no banheiro e achei melhor mudar meus planos. O irmão era fera na arte de aparar o topete da negada. Naquela hora o vento sul tinha entrada trazendo uma brisa refrescante. Dei um berro, Leleo olhou, levantei o braço e gritei “-o próximo sou eu!”
Leleo reservou meu lugar e lá fui eu dar um tapa no visual. Quando a Nega chegar vai me encontrar renovado, cheiroso, bonito.
.Pus a breja na geladeira. Deixei os meus amigos para o outro dia e resolvi aproveitar a oportunidade daquela novidade. Revi a agenda pessoal. Coloquei um vaso de flores artificiais na mesa com toalha branca, pra dar um clima, separei o som do Tim Maia e sentei no sofá. Acordei no outro dia, com a Nega me chamando pra trabalhar. Dei um pulo assustado e sai correndo sem levar a marmita. Quase que não bato o ponto na obra.
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