Sexta-feira, 29 de março de 2024

O suor, o pão e a sorte

25/10/2020 às 08h08

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O suor queima a pele, seca e abre as feridas / Foto: Davison Alves - Instagram: d.a. Desenhos

Deixa pra amanhã. Tô cansado da lida. A noite caiu, mas a dor nas costas não foi embora. A lavoura tá destruindo comigo. 

Amanhã a gente proseia. Por hoje me dou por satisfeito. A cabeça já não tá boa. Vou acabar embolando a prosa e dormindo bem no meio dela. 

O tempo passa e a gente definha. O suor queima a pele, seca e abre as feridas. Só o pão me consola.  Agora tomo remédio pra tudo e pra tudo tem remédio. Pior que não cura, só faz encher a gaveta com o que o médico diz ser a última novidade. 

Quando saio pra ir ao banco receber minha aposentadoria, só vejo farmácia pela cidade. Quando volto, paro em quase todas pra distribuir meu provento. 

Prefiro minhas ervas do mato: macaé, quebra pedra, olhos de nossa senhora, erva cidreira, boldo, carqueja... tem até pé de novalgina. 

Me benzo com folhas de guiné, arruda, tomo banho de alevante. Minha vó já dizia: a fé não pode faltar. Vou dormir e vagar com meus sonhos, velhos como eu. Amanhã , antes de sair tomo uma garrafada, pego a enxada e eito o roçado de quiabo. Plantei também abacaxi e mandioca. 

Tenho que vigiar pra não roubarem. Minha enxada e meu facão estão afiados. O sol a pino facilita e atrapalha. Esquenta a água no cantil e o corpo. Até o vento está baforando. Todo dia 40 graus. 

No final do dia rego a horta. Pra não me queimar uso manga de camisa com punho fechado, bota, calça e chapéu. Já vi companheiro desmaiar, mas eu não desmaio não. Quando percebo que não tem nuvem no céu, procuro a sombra do ypê e respiro o ar. Encho o pulmão e agradeço a lida e me ponho a pensar. 

Levar o pão pra casa me enche de razão. Faz os meninos obedecer a mãe, que a tudo vê, e se põem a rogar por um amanhã mas justo pra todos nós. Meus rebentos, meu rebanho. Faço uma Prece poderosa de joelhos e à luz de vela.  

Pela fresta da janela encostada o Senhor olha e vê sua família reunida, se alimentando da mais pura fé que só gente como nós consegue cultivar. Esse é remédio que me cura todos os dias nessa vida arcaica. 

O trabalho dignifica e também mata a gente. O Altíssimo é a luz que nos alimenta de esperança que a justiça divina não falhe jamais. Deus seja louvado! 

Fonte: Jornalista Alfredo Soares

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