Quinta-feira, 18 de abril de 2024

Representatividade negra nas eleições de 2020, Campos dos Goytacazes

22/11/2020 às 10h17 22/11/2020 às 11h25

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Ao ver a propaganda eleitoral durante o almoço ou o jantar, era possível identificar os postulantes negros às cadeiras na câmara municipal, / Foto: Reprodução

Neste ano, fomos surpreendidos com o número elevado de candidaturas negras para o cargo de vereador(a) em Campos dos Goytacazes, um marco histórico e de grande relevância para a cidade. É preciso frisar que, mesmo com o crescente envolvimento do indivíduo negro com a política, o perfil médio dos candidatos não mudou: ainda é formado por homens, brancos, com o ensino médio completo. Em números, a diferença de 2016 para 2020 é considerável, de 106 para 172 candidatos, respectivamente, segundo o TSE. Ao ver a propaganda eleitoral durante o almoço ou o jantar, era possível identificar os postulantes negros às cadeiras na câmara municipal, o que acredito que tenha enchido de esperança o coração de qualquer sonhador negro, como eu. Passada a euforia, veio a reflexão, pouquíssimos candidatos tinham, como pauta, a luta por empoderamento e equidade racial. Evidentemente, pelo curto tempo de propaganda política, não conseguimos ter acesso aos projetos de todos os candidatos, mas, fazendo uma pesquisa breve nas redes sociais destas pessoas, ficava nítida a falta de percepção de que uma das coisas mais importantes para o avanço do município era a redução da desigualdade racial e social.

A importância de termos candidatos negros comprometidos com a missão árdua de combater o racismo não deveria ser tema de discussão nos dias de hoje, porque os números acabam mascarando a realidade. O número de candidatos negros nestas eleições aumentou em grande escala no país inteiro, foram registradas mais de 49,9% de candidaturas, segundo a Tv Senado. Ainda que o TSE tenha começado a contabilizar dados de raça em 2014, pela primeira vez na história, o número foi maior que candidaturas brancas, que configuraram 48,1%. Porém, depois do resultado das eleições de 15 de novembro, tivemos a resposta nas urnas: apenas um candidato que se declarou preto conseguiu uma cadeira na Câmara Municipal de Campos. Vale ressaltar que o candidato eleito não levantou a pauta racial diretamente em sua campanha, o que podemos entender como falta de interesse ou estratégia para não perder votos. Para o Executivo, a situação é pior ainda, só tivemos uma candidata negra na cidade, a Professora Natália, que teve uma votação bem expressiva, com 11.622 votos, ficando em quinto lugar na corrida eleitoral, o que podemos chamar de luz no fim do túnel.

É importante lembrar que, em 2020, tivemos protestos acentuados tanto nos EUA, quanto no Brasil pela igualdade de direitos, principalmente depois do assassinato de George Floyd, de João Pedro e da menina Agatha. O movimento “Vidas Negras Importam” ganhou grande visibilidade depois dessas tragédias, a morte de crianças negras resultou em manifestações em diversas cidades. Campos foi um exemplo neste quesito, em 10 de Junho de 2020, o ato organizado pelo Movimento Negro Unificado (MNU) deu voz a centenas de pessoas que protestaram na Praça São Salvador pelo fim da violência policial. É uma discussão totalmente limitada na cidade, que se restringe aos movimentos negros locais.

A falta de identificação da população negra campista com os candidatos negros é notável, um problema que assola os dois lados desta questão. De um lado, temos candidatos que se distanciam da luta racial, e tal distanciamento pode ser provocado por diversos motivos: a falta de identificação, referência e interesse; a ausência de representantes negros ocupando cadeiras na política nacional etc. Em Campos, o problema é maior ainda e, pior, os poucos que conseguem se eleger não tem projetos voltados para a desconstrução do racismo. Do outro lado, temos o eleitor negro, que é refém de um clientelismo eminente na cidade, reflexo da segregação escancarada no munícipio. Um projeto elaborado propositalmente para manter a população mais pobre em situação de subserviência, o que está longe de acabar, infelizmente.

Por estes motivos, defendo a criação de um partido negro, com a missão de mobilizar a população negra no país, pois temos que ocupar os espaços de poder. Enquanto a política nacional for comandada por homens brancos, estaremos sempre à mercê da vontade do opressor, refletindo diretamente na manutenção deste sistema racista, que não visa dar oportunidade a pessoas de pele escura. Sem a promoção de conscientização de nossos irmãos, não conseguiremos dar um passo adiante. As eleições de 2020 provaram que o “voto antirracista” não existe: pessoas brancas de esquerda votam em pessoas brancas de esquerda, bem como os partidos que se dizem progressistas não vislumbram uma luta antirracista, muito pelo contrário, utilizam essa pauta como trampolim para somar votos para candidaturas brancas.

Tal reflexão se estende a corrida presidencial, em que, nos meus 30 anos de vida, não consigo lembrar de um candidato negro que teve alguma chance de vencer o pleito, vale lembrar que 54% da população brasileira é negra. Enquanto não colocarmos a pauta racial como prioridade, continuaremos vagando neste limbo entre ter que escolher qual opressor é mais capacitado para gerir um país onde somos maioria.

Autor: Claudio Clemente Cientista Social formado pela UENF Mestrando em Sociologia pelo IESP-UERJ Superintende Adjunto de Igualdade Racial - Prefeitura de Campos dos Goytacazes

Fonte: Cláudio Clemente

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