Sexta-feira, 27 de junho de 2025

Psicólogo explica que jovens sob pressão emocional podem transformar pais em 'obstáculos'

Gilvan Ferreira é comissário aposentado da Polícia Civil, com atuação de 20 anos na Delegacia de Homicídios da Capital

27/06/2025 às 18h05 27/06/2025 às 18h06 Girlane Rodrigues

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Gilvan Ferreira é comissário aposentado da Polícia Civil, com atuação de 20 anos na Delegacia de Homicídios da Capital / Foto: Reprodução

Ao falar sobre o adolescente de 14 anos que matou os pais e o irmão de 3 anos em Itaperuna, no interior do Rio, o delegado Carlos Augusto Guimarães, titular da 143ª DP, responsável pelo caso, descreveu-o como "frio", calculista e ausente de remorso. Em dado momento, pontou até que o menino teria um "que" de psicopatia. Gilvan Ferreira, psicólogo criminal e comissário de Polícia Civil aposentado, pontua que o diagnóstico é precipitado, já que não se tem ainda detalhes sobre a vida do garoto. No entanto, ele explica que muitos adolescentes sob pressão emocional podem transformar os pais em "obstáculo".


— Na cabeça desses jovens, os pais podem ter se tornado um problema. Eles pensam: “quero namorar, mas meus pais não aceitam”, ou “minha vida não é essa”. Eles passam a ver o afeto como um obstáculo. E os pais, como algo que precisa ser eliminado para terem a vida que deseja — analisa.

Gilvan Ferreira, que tem experiência de duas décadas na Delegacia de Homicídios da Capital (DH), reforça ser fundamental uma análise aprofundada sobre a trajetória desses adolescentes para se chegar num diagnóstico concreto:

— Ninguém pode traçar um perfil criminal ou de personalidade com tão poucos elementos. É preciso olhar para a vida inteira desse adolescente, se colocar no lugar dele, entender seu ponto de vista. Fazer esse tipo de avaliação exige tempo, entrevistas longas com ele e com pessoas próximas — afirma o especialista.

Segundo ele, um dos aspectos que precisa ser observado é o histórico emocional do jovem e possíveis episódios de violência ao longo da vida. Para Gilvan, comportamentos agressivos não são incomuns, mas a análise precisa ir além do ato em si.


— A agressividade, de alguma forma, faz parte da natureza humana. Mas, nesse tipo de caso, é necessário um exame cuidadoso das chamadas “feridas emocionais”, como rejeição, injustiça, traição, abandono e humilhação. Quem estuda esse fenômeno entende que a humilhação costuma ser o último estágio, e ela é decisiva — explica.

Gilvan também aponta que esses adolescentes podem ser influenciados por opiniões externas, especialmente nas redes sociais, o que ele define como "psicologia das massas".

— Ele consulta outras opiniões, busca validação e encontra nas massas o encorajamento para se libertar. Sente-se machucado, culpabiliza os pais por tudo e é estimulado por essas outras telas a reagir. É por isso que precisamos entender profundamente a história dele — diz.

De acordo com o especialista, a raiz da psicopatia está na ausência de empatia e emoção. Muitos desses jovens, segundo ele, são inteligentes, calculistas e enxergam as pessoas como objetos.

— O psicopata ama as coisas e usa as pessoas. E ele sabe manipular. Nesse caso específico, pode ser que ele tenha se sentido encurralado e acreditado que só alcançaria seu objetivo com a morte dos pais. Para ele, os pais eram obstáculos. E, na mente dele, remover obstáculos é resolver o problema — afirma Gilvan.


O psicólogo conclui dizendo que qualquer diagnóstico só pode ser feito após uma análise profunda, que considere se, de fato, os pais foram coisificados por esse adolescente.

— Você só pode chegar a um diagnóstico analisando tudo e identificando se esses pais passaram por um processo de coisificação. Ninguém pode classificar esse rapaz sem conhecer a vida dele antes — reforça.

Assassinatos no sábado (21)
O caso chegou à polícia na terça-feira (24), quando a avó paterna do adolescente foi com ele até a delegacia para registrar o desaparecimento da família. Aos agentes, ela contou que tentava contato desde sábado, mas ninguém atendia.

Na ocasião, o garoto disse à polícia que o irmão tinha se engasgado com um caco de vidro, e que os pais teriam saído de casa às pressas para socorrê-lo. Eles pegaram um carro de aplicativo e não mais voltaram para casa. A partir dessas informações, uma equipe da 143ª DP percorreu os hospitais da cidade, mas não encontrou qualquer registro em nome da família.

Com isso, o delegado solicitou perícia na casa, que aconteceu na manhã desta quarta. No imóvel, os policiais encontraram manchas de sangue no colchão do casal, além de roupas ensaguentadas e com focos de queimado. Um forte odor de putrefação levou os agentes até uma cisterna no exterior da propriedade, onde localizaram os corpos.


— A quantidade de sangue era incompatível com o acidente doméstico que ele narrou para a gente. Depois que localizamos o corpo, ele confessou o crime. Disse ter dado um tiro na cabeça do pai e da mãe; no irmão, foi no pescoço. Perguntamos porque ele matou o menino, e ele disse que foi para poupá-lo da perda dos pais — revelou o delegado.

Motivações do crime
O delegado trabalha com duas linhas de investigação. A primeira diz respeito a um namoro virtual que o adolescente mantinha com uma menina de 15 anos do Mato Grosso, que era desaprovado pelos pais. Ela teria dado um ultimato nele, forçando-o a se encontrar com ela nesse estado. No entanto, a família do garoto teria proibido a viagem, o que o motivou a cometer os assassinatos.

— Durante a perícia, encontramos uma bolsa de viagem já pronta para viajar. Nela, estavam os celulares das vítimas. O adolescente não deu muitos detalhes sobre a namorada, mas falou que eles se conheceram nesses jogos online. Nós entramos em contato com a polícia do Mato Grosso para localizarem a menina — completou.

Por outro lado, os policiais descobriram que o adolescente pesquisou no celular sobre "como receber FGTS de falecido". O pai teria direito a receber R$ 33 mil.


— A gente perguntou a ele o que era essa pesquisa, e ele contou que fez depois do crime. Nós não sabemos ainda se essa foi a motivação, mas, independente de ter sido essa ou o namoro, ambas configuram motivo fútil. Ele tem muito o que responder na Justiça.

Arma estava embaixo do colchão dos pais
À polícia, o adolescente contou que estava dormindo no quarto dos pais porque era o único cômodo com ar-condicionado. Para se manter acordado, ele tomou um pré-treino e esperou a família adormecer para cometer o crime. A arma, que pertencia ao pai, estava escondida embaixo do colchão do casal.

Após matar a família, o garoto contou que passou um produto de limpeza no chão até a cisterna, o que o ajudou a arrastar os corpos.

— Pelo que a gente percebeu na casa, a cisterna ficava entre 4 a 5 metros de distância do quarto. Não era muito longe — disse o policial.

A arma usada pelo adolescente foi apreendida na casa da avó. Ela contou a polícia que encontrou o objeto na casa do neto e a recolheu com medo de que ele pudesse se machucar. Os agentes acreditam que ela não participou e nem sabia do crime.


— Ele foi muito espontâneo ao contar como cometeu os crimes. É um menino frio, sem remorso. Perguntamos se ele se arrependia, e ele disse que não, que faria tudo de novo. As respostas que ele nos deu foram rápidas e o tempo todo ele se autoafirmava como homem. Tinha um "que" de psicopatia. Ele pode ter premeditado tudo ou é um menino muito inteligente — concluiu o delegado.

Fonte: Extra

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