Uma megaoperação das polícias Civil e Militar nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio, deixou quatro policiais mortos além de oito agentes feridos, na manhã desta terça-feira. De acordo com a Polícia Civil, 90 suspeitos foram mortos, dois deles da Bahia. Quatro moradores também foram atingidos. O objetivo da ação é cumprir mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho (CV), 30 deles de fora do Rio, escondidos nos dois conjuntos de favelas, identificados pela investigação como bases do projeto de expansão territorial do CV. Oitenta e uma pessoas foram presas e 75 fuzis foram apreendidos na ação, que mobiliza 2,5 mil policiais e também promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ).
A operação marca uma mudança no padrão de enfrentamento entre as forças de segurança do Rio e as facções criminosas. Além do emprego de drones utilizados para lançar explosivos contra policiais, cenário típico de guerra, o governo estadual declarou que não tem condições de atuar sozinho e que o conflito ultrapassou o âmbito da segurança pública tradicional.
— Essa operação de hoje tem muito pouco a ver com Segurança Pública. É uma operação de Estado de Defesa. É uma guerra que está passando os limites de onde o Estado deveria estar sozinho defendendo. Para uma guerra dessa, que nada tem a ver com a segurança urbana, deveríamos ter um apoio maior e até das Forças Armadas. É uma luta que já extrapolou toda a ideia de Segurança Pública e que está na Constituição. O Rio está sozinho nessa guerra — disse o governador Cláudio Castro.
A fala de Castro apontou para a necessidade de participação do governo federal, inclusive com possibilidade de acionamento das Forças Armadas. Disse que teve negado por três vezes o pedido que fez para ter ajuda de blindados da Marinha e Exército. Castro fez ainda um alerta para a possibilidade de forte tentativa de retaliação dos criminosos diante de tantos mortos e apreensões.
Quem são os baleados
- Marcos Vinicius Cardoso Carvalho - policial civil da 53ª DP (Mesquita) que era conhecido como Máskara. Ele morreu no Hospital estadual Getúlio Vargas
- Policial civil da 39ª DP (Pavuna) - morto momentos após chegar ao Hospital Getúlio Vargas
- Dois policiais do Bope também morreram
- Três policiais civis — lotados na 38ª DP (Irajá), na 26ª DP (Todos os Santos) e na Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) — ficaram feridos
- Cinco policiais militares feridos
- 56 suspeitos mortos, entre eles dois homens apontados como traficantes vindos da Bahia
- Quatro moradores feridos
Um cabo do Batalhão de Operações Especiais (Bope) foi o primeiro a ser atingido durante o confronto. Ele estava numa região de mata conhecida como Vacaria e foi ferido de raspão, segundo a PM. O agente foi levado para o Hospital Central da corporação. Estão feridos ainda um morador em situação de rua que não foi identificados, e outros três moradores: Fernando Vinícius Lopes, Kelma Rejane Magalhães e Daniel Mello dos Santos. Kelma estava numa academia quando foi atingida na região dos glúteos. Todos têm estado de saúde estável.
Um dos presos é o operador financeiro de Edgard Alves de Andrade, o Doca, apontado como um dos principais chefes da cúpula do CV na Penha. O outro é Thiago do Nascimento Mendes, o Belão do Quitungo, um dos braços armados de Doca.
Moradores dos conjuntos de favelas, formados por 26 comunidades, usam as redes sociais para relatar intensos tiroteios. Fogo foi ateado em barricadas e foi possível ver colunas de fumaça à distância. Policiais foram atacados por granadas lançadas por drones, afirmou o secretário de Segurança Pública, Victor dos Santos, em entrevista ao Bom Dia Rio. O telejornal mostrou ainda criminosos fugindo por uma área de mata. Há desvios em linhas de ônibus e unidades de saúde e educação com funcionamento suspenso.
A ação visa a capturar chefes do tráfico do Rio e de outros estados e combater a expansão territorial do Comando Vermelho nos complexos. A operação acontece após de mais de um ano de investigação. A Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) obteve mandados de busca e apreensão e de prisão, que são cumpridos.
Participam da Operação Contenção policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE) e das unidades operacionais da PM da capital e da Região Metropolitana. A Polícia Civil mobilizou agentes de todas as delegacias especializadas, das distritais, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), do Departamento de Combate à Lavagem de Dinheiro e da Subsecretaria de Inteligência.
Além de aparato tecnológico, como drones, a Operação Contenção conta com dois helicópteros, 32 blindados terrestres e 12 veículos de demolição do Núcleo de Apoio às Operações Especiais da PM, além de ambulâncias do Grupamento de Salvamento e Resgate.
Bandidos lançaram granadas
Em uma demonstração inédita de poder bélico, traficantes utilizaram drones para lançar granadas contra equipes das forças especiais da Core e do Bope. A tática representa uma nova escalada no poder de fogo do crime organizado no Rio e tem como objetivo conter o avanço da operação e proteger a alta cúpula da facção.
Para atacar os policiais, os criminosos acionam um gatilho mecânico ou elétrico que libera a carga enquanto mantêm o equipamento em voo, afastando-se sem se expor. Além de funcionar como um “bombardeiro” improvisado, o drone também é usado como instrumento de reconhecimento para orientar as reações das quadrilhas.
Imagens desta terça-feira mostram ainda barricadas em chamas, formando colunas de fumaça visíveis a quilômetros de distância.
A forte resistência à ação policial se explica pelo fato de que os complexos do Alemão e da Penha funcionam como o “QG” da facção, locais onde ocorrem reuniões da cúpula criminosa. A Penha foi apontada pelo MPRj como uma das principais bases estratégicas do Comando Vermelho (CV) para implementar seu projeto de expansão territorial rumo à Zona Sudoeste, especialmente na região de Jacarepaguá. A informação consta em denúncia apresentada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ).
Impactos
Por causa da operação, 46 unidades de educação municipais fecharam as portas. Vinte e nove delas ficam no Alemão e outras 17, no Complexo da Penha. As universidades Federal (UFRJ), Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e Federal Fluminense (UFF) suspenderam as aulas. A Fiocruz decidiu encerrar as atividades às 15h30.
A Câmara Municipal do Rio de Janeiro suspendeu a sessão plenária prevista para esta terça-feira. Segundo a Casa, a medida visa a garantir a segurança de todos.
Cinco unidades de Atenção Primária que atendem a região da Penha e do Complexo do Alemão suspenderam o início do funcionamento, informou a Secretaria municipal de Saúde. De acordo com a pasta, elas avaliam a possibilidade de abertura nas próximas horas. Uma clínica da família mantém o atendimento à população, mas suspendeu as atividades externas, como as visitas domiciliares.
O Rio Ônibus informou que seis ônibus tiveram suas chaves retiradas e foram utilizados como barricadas em diferentes regiões da cidade. Vinte linhas de ônibus também estão com seus itinerários desviados preventivamente, informou o sindicato.
Imagens captadas por drones mostraram criminosos armados fugindo em "fila indiana" pela mata da Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, durante a operação.
Ônibus utilizados como barricadas
- Vicente de Carvalho - C27097 - 940 (Ramos x Madureira)
- Estrada do Camboatá - B11506 - SV669 (Pavuna x Méier)
- Avenida Nazaré - B51637 - SV624 (Mariópolis x Praça da Bandeira)
- Avenida Brasil - B11514 799 (Pavuna x Bangu)
Desvios na Penha
- 721 Vila Cruzeiro x Cascadura
- 312 Olaria x Candelária
- 313 Penha x Praça Tiradentes
- 621 Penha x Saens Peña
- 622 Penha x Saens Peña
- 623 Penha x Saens Peña
- 625 Olaria x Saens Peña
- 628 Penha x Nova América
- 679 Grotão x Méier
- Desvios no Engenho da Rainha
- 292 Engenho da Rainha x Castelo
- 688 Pavuna x Meier
- 687 Pavuna x Meier
- 629 Irajá x Saens Peña
Desvios no Alemão (Avenida Itaóca e Estrada do Itararé)
- 292 Engenho da Rainha x Castelo (voltou a desviar)
- 711 Rocha Miranda x Rio Comprido (voltou a desviar)
- 908 Terminal Deodoro x Bonsucesso
- SV908 Terminal Deodoro x Bonsucesso
- 312 Olaria x Candelária
- 623 Penha x Saens Peña
- 628 Penha x Nova América
Desvios no Chapadão
- 799 Pavuna x Bangu
- 669 Pavuna x Meier
- SV669 Pavuna x Meier
- 778 Pavuna x Cascadura Comprido
Série mostra presença de bandidos de fora no Rio
Há duas semanas, a série Conexões do Crime, do EXTRA, mostra como o Comando Vermelho intensifica sua presença em outros estados do país, numa estratégia de nacionalização frente ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Com esse objetivo, o grupo carioca incorpora ou se alia a facções locais, ao mesmo tempo em que abriga, nas comunidades do Rio, traficantes vindos de fora. Em áreas sob domínio da facção no Rio, órgãos de segurança pública fluminenses já identificam a presença de criminosos de 12 estados, como Ceará, Bahia, Rondônia e Minas Gerais. Por outro lado, o CV se espalha por 24 estados e o Distrito Federal.
A migração de bandidos para o Rio, revela a série, é um sistema de “ganha-ganha”: os criminosos de fora que chegam a comunidades como a da Rocinha e as do Complexo do Alemão conquistam proteção, status e novos conhecimentos na cidade; já o CV amplia franquias Brasil afora, incluindo poderio sobre rotas de escoamento de armas e drogas.
— Hoje está muito comum falar de trabalho híbrido ou remoto. O crime faz o mesmo. Eles entenderam que o chefe não precisa mais estar no estado de origem. Ele pode ficar protegido no Rio e tomar as decisões por videochamadas. Isso é muito vantajoso para todos eles. O chefe do tráfico fica num local de difícil acesso para a polícia, e a organização protege seus principais ativos, diminuindo a rotatividade e gerando estabilidade nos negócios, principalmente em estados que fazem fronteira com outros países — disse à série, dois domingos atrás, o promotor de Justiça Anderson Batista de Oliveira, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Rondônia, um dos estados que têm chefes do tráfico presentes no Rio.
A segunda maior facção do Rio, o Terceiro Comando Puro (TCP), também já adota a expansão pelo Brasil. Levantamento do EXTRA mostrou que a guerra entre CV e TCP, inclusive, já se replica em pelo menos cinco estados (Espírito Santo, Minas Gerais, Ceará, Bahia e Acre). As facções cariocas vêm disseminando também táticas de ocupação e exploração de territórios, como cobrança de taxas ilegais e venda de sinal clandestino de internet, além de uso de fuzis e montagem de barricadas.
Na Bahia, a Secretaria de Segurança Pública do estado afirmou a atuação de organizações fluminenses é investigada e que as apreensões de fuzis aumentaram quase 300%, de 2022 a 2024, quando foram recuperadas 22 e 86 unidades, respectivamente. Somente este ano, 114 foram apreendidos, diz a pasta.