Quinta-feira, 25 de abril de 2024

Cientistas trabalham em uma segunda chance para os pulmões de fumantes

19/02/2020 às 10h08

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Pela primeira vez, pesquisadores detectam o crescimento de células saudáveis que revestem as vias aéreas em ex-fumantes.

Muitas pessoas que fumam há décadas costumam dizer que não vale a pena abandonar o hábito por ser tarde demais. Porém, um estudo britânico e norte-americano, publicado na revista Nature, provou que essa ideia é um equívoco. Embora as estatísticas mostrem que, com o tempo, o risco de desenvolvimento de doenças cai entre ex-fumantes, pela primeira vez, os cientistas visualizaram isso ocorrendo nas vias aéreas.

Eles descobriram um grupo de células-tronco que crescem e começam a reparar o pulmão, independentemente de quanto tempo se passou com um cigarro entre os lábios. Quem parou de fumar tem 40% mais essas estruturas, em comparação aos que insistem no hábito. “O incrível sobre nosso estudo é que ele mostra que nunca é tarde. Alguns dos participantes fumaram mais de 15 mil pacotes de cigarros ao longo da vida, mas, dentro de poucos anos depois de pararem, as células revestindo suas vias aéreas não mostraram evidências de danos do tabaco”, explica Peter Campbell, pesquisador do Wellcome Sanger Trust, na Inglaterra, e um dos autores da pesquisa. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a fumaça do cigarro está diretamente associada a 7 milhões de óbitos anualmente.

O câncer se desenvolve quando uma única célula adquire alterações genéticas que estimulam o crescimento desordenado dessa estrutura, fazendo com que se replique rápida e descontroladamente. Ao longo da vida, todas as células adquirem cerca de 20 a 50 variações por ano. A grande maioria dessas mutações é totalmente inofensiva, mas, eventualmente, uma delas vai se enveredar para o caminho do câncer. São as chamadas mutações de driver. Para que a célula se torne completamente cancerosa, estima-se que sejam necessárias de cinco a 10 dessas alterações.

Campbell conta que o resultado do estudo ocorreu de forma inesperada. “Nossa equipe se interessa pelos estágios iniciais do desenvolvimento do câncer de pulmão. Especificamente, tentamos entender o que acontece com as células normais quando expostas à fumaça do tabaco”, diz. Para estudar o fenômeno, o grupo desenvolveu métodos de isolamento das células normais por meio de pequenas biópsias das vias aéreas de um paciente.

Depois, elas foram cultivadas em uma incubadora para se obter DNA suficiente para o sequenciamento. “Em seguida, analisamos o genoma de 632 células de 16 participantes do estudo, incluindo quatro que nunca fumaram, seis ex-fumantes e três fumantes atuais (todos de meia-idade ou mais), além de três crianças”, enumera o pesquisador.

Entre os que nunca fumaram, descobriu-se que o número de mutações celulares aumentou constantemente com a idade. Assim, quando alguém tiver 60 anos, cada célula pulmonar normal conterá entre 1 mil e 1,5 mil mutações. “Elas são causadas pelo desgaste normal do organismo, o mesmo tipo de mutação que vemos em outros órgãos do corpo. Apenas cerca de 5% das células naqueles que nunca fumaram apresentaram mutações no driver”, conta Campbell.

 Assinatura

Nos fumantes, o quadro foi muito diferente. Os pesquisadores constataram que cada célula do pulmão, em média, carregava 5 mil mutações extras, acima do que seria esperado de uma pessoa da mesma idade que jamais fumou. “Ainda mais impressionante foi que a variação de célula para célula também aumentou dramaticamente nos fumantes. Algumas sofreram entre 10 mil e 15 mil mutações — 10 vezes mais do que seria de esperar se a pessoa não fumasse. Essas mutações extras tinham a assinatura que esperávamos dos produtos químicos na fumaça do tabaco, confirmando que eles podem ser atribuídos diretamente aos cigarros”, explica Sam James, professor de Medicina Reparatória da Universidade da Califórnia em Los Angeles e um dos autores do estudo.

Além do aumento no número total de mutações, os cientistas também viram um aumento substancial no número de mutações de drivers. Mais de 25% das células pulmonares em todos os fumantes estudados apresentavam, pelo menos, uma mutação que impulsiona o câncer. Alguns tinham duas ou três. “Dado que cinco a 10 desses tipos de mutações podem causar câncer, é claro que muitas células pulmonares normais nesses fumantes de meia-idade ou mais velhos provavelmente se tornarão cancerígenas”, afirma James.

Mas o fato que mais chamou a atenção dos cientistas foi observado nos ex-fumantes. “Descobrimos que eles tinham dois grupos de células. Um sofreu milhares de mutações extras, iguais às vistas nos que continuam fumando, mas o outro grupo era essencialmente normal, contendo células com o mesmo número de mutações que esperávamos ver no pulmão de alguém que nunca havia fumado”, conta Campbell.

Esse grupo quase normal de células era quatro vezes maior em ex-fumantes do que nos tabagistas. Isso sugere que essas estruturas aumentam em tamanho para reabastecer o revestimento das vias aéreas depois que alguém para de fumar. Os cientistas visualizaram a expansão de células quase normais mesmo em ex-fumantes que consumiram um maço de cigarros todos os dias por mais de 40 anos.

Proteção

“A razão pela qual essa descoberta é tão emocionante é que esse grupo de células protege contra o câncer”, diz Campbell. “Agora, sabemos o motivo pelo qual nosso risco de câncer diminui de maneira tão significativa. É porque o corpo reabastece as vias aéreas com células essencialmente normais. O próximo passo será identificar como esse grupo consegue evitar danos causados pela exposição à fumaça do cigarro — e como podemos estimulá-lo a se recuperar ainda mais”, acrescentou.

Uma possível explicação, sugerida por trabalhos anteriores em modelos animais, é que há um grupo de células-tronco dentro das glândulas que produzem o muco secretado pelas vias aéreas. Naturalmente, esse local seria melhor protegido da fumaça do tabaco do que a superfície. “Por enquanto, nossa pesquisa reitera que parar de fumar, em qualquer idade, não apenas diminui o acúmulo de mais danos, mas também pode despertar células que não foram prejudicadas por hábitos anteriores”, conclui Campbell.

Essa capacidade de autorreparação, contudo, não significa que é possível fumar a vida toda e parar, esperando que o pulmão conserte todos os danos provocados pelo cigarro. Em uma pessoa que jamais fumou, o órgão é constituído por 100% de células não afetadas pelo tabagismo. Além disso, fumar também causa enfisema pulmonar, uma doença crônica e grave, que não consegue ser amenizada mesmo quando se cessa o hábito.

“É realmente motivador pensar que as pessoas que param de fumar podem colher os benefícios duplamente: elas previnem mais danos relacionados ao tabaco e dão ao pulmão a chance para que se recupere de alguns danos nas células saudáveis”, observa Rachel Orritt, gerente de informações de saúde da Cancer Research UK, que financiou o estudo. Ela observa que, agora, é preciso ampliar a pesquisa e envolver um número maior de participantes.

 

Fonte: Correio Braziliense

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