O forte aumento da demanda por crédito rural a juros controlados nos primeiros cinco meses desta safra 2018/19 (julho a novembro) começou a preocupar produtores, cooperativas, bancos e o próprio governo. Algumas linhas de financiamento do Plano Safra já estão com os recursos esgotados e outras caminham aceleradamente na mesma direção, e o risco de a torneira secar antes do fim do ciclo, em junho, é palpável.
Safra recorde - O problema - causado pela maior demanda diante da alta dos grãos puxada pelo apetite crescente da China e de taxas de juros mais baixas - não impedirá mais uma safra recorde de grãos, já que o plantio foi garantido com os desembolsos feitos até agora e por outras fontes de financiamento, inclusive por recursos dos próprios produtores. Mas poderá limitar investimentos represados após anos de adversidades na economia, por mais que haja fontes de crédito a juros livres disponíveis. Dentro do Plano Safra, os juros controlados variam entre 5,25% e 9,5% ao ano. Os juros livres, por sua vez, variam de 12% a 15% ao ano.
Percentual - Do montante total de crédito rural liberado pelos bancos de julho a novembro - R$ 89,5 bilhões, considerando as agriculturas empresarial e familiar, 20,8% mais que em igual intervalo da temporada anterior -, 78,2% foram em recursos a juros controlados. Apenas os desembolsos para investimentos, usados na compra de tratores e colheitadeiras e na construção de armazéns, por exemplo, cresceram 40% na comparação, para R$ 21 bilhões.
Recursos do BNDES - A situação mais complicada envolve as linhas alimentadas por recursos do BNDES, principal fonte de empréstimos para investimento. O banco já suspendeu as operações de três de suas linhas por causa do esgotamento de recursos: o Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC), muito usado para recuperação de pastagens e cujos desembolsos já alcançaram R$ 1,06 bilhão, o Pronamp Investimentos, voltada a médios produtores, e o Prodecoop, focado em cooperativas.
Aviso - Quem ainda tem interesse nessas linhas e acessa a página do BNDES na internet já se depara com o seguinte aviso: "ATENÇÃO: O protocolo de pedidos de financiamento nesta linha encontra-se suspenso em razão do comprometimento total dos recursos disponíveis".
Moderfrota - Outra linha mantida com dinheiro do BNDES que também corre riscos de minguar é o Moderfrota, utilizado na compra de máquinas agrícolas. Do total reservado pelo governo para o programa (R$ 8,9 bilhões), as instituições financeiras já aplicaram R$ 4,63 bilhões, um aumento de 53% ante os primeiros quatro meses da temporada 2017/18.
Maior desembolso - "Realmente houve um maior desembolso nesta safra até agora. O banco continua operando normalmente, mas já começamos a perceber um esgotamento mais amplo de recursos. Se esse fluxo for mantido, faltarão recursos no fim do primeiro trimestre de 2019", afirmou ao Valor o vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, Tarcísio Hubner.
Liderança - O BB lidera o mercado de crédito rural no país, com participação da ordem de 60% e carteira total de quase R$ 190 bilhões.
Depósitos à vista - Segundo Hubner, o montante de depósitos à vista e de poupança rural, principais fontes de recursos do crédito rural a juros controlados, vêm sendo alocados para os contratos de financiamento ao agronegócio e aos pequenos agricultores (Pronaf) a uma velocidade acima do esperado.
Termômetro - Como termômetro dessa forte demanda por crédito rural, o executivo lembra que as linhas com recursos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) voltadas ao setor agropecuário, que sempre registram sobras, neste ano se esgotaram em outubro. Esses financiamentos, no entanto, não contam com recursos controlados.
Pedido - Diante desse quadro, o BB e outros bancos, públicos e privados, além de entidades do setor já pediram ao governo para ampliar os gastos com equalização das taxas de juros do crédito agrícola no sentido de também aumentar a oferta desses recursos. O Banco do Brasil já desembolsou R$ 38 bilhões de julho a novembro deste ano, uma alta de quase 18% ante o ciclo anterior.
Remanejamento - O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Wilson Vaz, disse que a Pasta, em conjunto com a equipe econômica da gestão Temer, avalia remanejar recursos de outras linhas menos procuradas para complementar a demanda que vem sendo observada principalmente por crédito para investimento, mas pondera que o governo não tem folga para subsidiar mais essas operações.
Oferta limitada - "Não descartamos que poderia haver uma demanda mais forte que o esperado, só que a oferta de recursos a taxas controladas é limitada pelo teto de gastos que nós temos", afirmou Vaz. "Mas aquilo que foi anunciado no Plano Safra será cumprido", garantiu.
Alternativa - Se houver de fato um esgotamento das fontes de recursos, a alternativa serão os bancos intensificarem a oferta de financiamentos a juros livres - que são mais caros, ainda que não sejam tão desvantajosos neste momento diante do cenário de juros mais baixos.
Milho safrinha - "Já há casos de produtores que procuraram sua agência bancária para tomar crédito para plantar milho safrinha no ano que vem e o gerente disse que não há mais recursos. Estamos bem preocupados e já acionamos o governo", disse Bartolomeu Braz, presidente da Aprosoja Brasil.
Tabelamento - Já o vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Mário Schreiner, afirmou que o tabelamento de fretes levou a uma demanda reprimida por crédito entre muitos produtores, que preferiram "segurar" a tomada de crédito, à espera de juros mais baixos na virada do primeiro para o segundo semestre, quando se iniciou a atual safra.
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